The mountain Wolf


Entrevista a João Colaço

04-12-2013 11:40

Quero desde já agradecer ao João Colaço por me ter cncedido a honra de o entrevistar e por me ter cedido algumas fotografias.

 

Nome: João Colaço

Idade: 38

Profissão: Director Técnico Automóvel

Nasceu em: Marinha Grande

Reside em: Marinha Grande

Equipa/Grupo: NEL - Pédatleta

 

Podes contar-nos um pouco o teu percurso desportivo antes de entrares no mundo do Trail?

Desde pequeno sempre fiz algum desporto e experimentei várias modalidades sem muita seriedade como judo, natação e ginástica. Fui atleta federado de hóquei em patins desde os infantis até aos juvenis. Sempre fui dando umas corridas com o meu Pai e com o meu Irmão, mas sem dar muita importância e com pouca regularidade. Experiências de montanha, tenho desde há 12 anos com a prática de snowboard, normalmente uma semana por ano, pelo que conheço Andorra, Sierra Nevada e os Alpes nessa vertente de desportos de Inverno. Não o fiz nos últimos 3 anos mas gostaria de voltar este Inverno. Quanto às provas de corrida, surgiram em 2005, com a Corrida do Tejo, mas com pouca regularidade até 2008. Em 2009 fiz a primeira maratona e comecei a ser mais assíduo na competição. Depois surgiu a primeira experiência de Trail, no Sicó, em 2010.

 

O que te apaixonou no Trail? O que te mantém cá?

Eu entrei nas corridas sozinho, sem estar inserido num grupo ou numa equipa. As provas de estrada tinham muita gente, o que as tornavam muito mais impessoais. O Trail trouxe-me vida. O facto de ser um meio mais pequeno, fez com que começasse a fazer um conjunto amigos que ia revendo nas provas. Mais tarde, encontrei no NEL – Pédatleta uma segunda família com quem me identifico completamente. Depois, o correr na Natureza é ímpar. Poder chegar a locais extraordinários que de outra forma não são alcançáveis tem um valor inestimável para mim. Para além disso, o bichinho da competição é forte e motiva-me muito tentar melhorar de ano para ano. No entanto, a competição é sã e leal. Talvez por não haver dinheiro envolvido em prémios, os atletas estão nesta modalidade pelo prestígio e pelos desafios pessoais. Dessa forma é possível a criação de fortes laços de amizade entre todos, o que me agrada bastante.

Como vês a evolução deste desporto? Sentes alterações no espírito das pessoas com essa evolução?

Penso que a pureza do Trail tenderá a sair um pouco beliscada com o aumento de praticantes e de provas mas tem de continuar a ser divulgado e mostrado ao mundo. Com o aumento da visibilidade, vem a maior profissionalização. É fundamental que as Associações e Organizações trabalhem no sentido da expansão mas passando os valores do Trail aos novos atletas. Não descurar os valores relacionados com o respeito pela Natureza e com o espírito de entreajuda entre os atletas é fundamental. Não sei se o espírito das pessoas está a alterar, mas o facto de teres muito mais gente que não conheces nas provas altera um pouco a tua inserção nesse meio, com todas as vantagens e desvantagens que daí advêm.

 

Tens uma boa disposição que é contagiante. Foi esse estado de espírito positivo que te “empurrou” durante o ultimo UTMB, onde correste durante vinte e seis horas e meia e te deixou como o melhor Português?

O facto de ser o melhor português foi o resultado de ser dos poucos que não tiveram qualquer contratempo. Naturalmente que fico satisfeito com isso, embora não fique contente nem deseje problemas aos melhores atletas, pois tenho profundo respeito por todos. Em termos de estado de espírito, não tive grandes quebras. Como a prova me foi correndo sempre bem, consegui manter a motivação em alta, o que foi decisivo para a classificação final.

Conta-nos como foi correr essa mítica corrida. Que sensações foste vivendo?

Foram horas fantásticas, em que quase não tive momentos menos bons. Tinha como objectivo fazer menos de 30 horas e o sonho de estar no Top 100. Para isso, levei a prova tabelada para 28 horas. Cheguei à partida cedo, para ir dentro do meu ritmo, sem grandes confusões. A partir de meio da prova, comecei a ganhar tempo à tabela e sempre a subir posições, o que foi muito motivador e contrariou o cansaço acumulado. Recordo com emoção o amanhecer, em que estava na parte italiana, no Vale d’Aosta, com uma paisagem fantástica. Foi um daqueles momentos difíceis de descrever por palavras, em que agradecemos o privilégio de poder fazer parte destas aventuras fantásticas que nos fazem crescer como pessoas. Lembramo-nos dos que vão connosco no coração. É um conjunto de sentimentos que nos tocam profundamente.

 

Terminar depois de todos esses sentimentos fez-te propor outros objetivos?

Sem dúvida. Deu-me confiança e fez-me ter vontade e acreditar que é possível enfrentar novos desafios. E como vai haver pela primeira vez o Circuito Mundial de Ultra Trail em 2014, estou a planear a presença em algumas dessas provas.

Sei que já estás pre-inscrito para a MDS, como foi o passo nesse sentido?

Tenho um amigo que me desafiou a pensar noutros voos. Comecei a desenhar o meu projecto para 2014 e a tentar obter apoios, pois a MDS envolve um esforço financeiro que eu não tenho capacidade de enfrentar sozinho. Neste momento, a questão está bem encaminhada, com alguns apoios já garantidos. Estou optimista e penso que vou conseguir reunir o necessário para me possibilitar a participação.

 

Como vais preparar essa prova tão diferente?

Ainda não tenho o plano de treino definido com o meu treinador, o Eduardo Santos, do Mundo da Corrida, mas vai ter de passar por muitos quilómetros, com peso nas costas e corrida em areia. O factor do calor vai ser mais complicado de preparar. E a questão da auto-suficiência é uma novidade para mim. Ter o equilíbrio entre o peso a carregar e tudo o que é necessário, principalmente a alimentação, vai ser um quebra-cabeças… Mas, se fosse fácil, não tinha graça nenhuma!

 

Qual foi a prova(s) que mais te marcou? Porquê?

Este ano tive várias provas que recordo especialmente. A Transgrancanaria, pela classificação positiva que não esperava, o Oh Meu Deus, por terem sido as minhas primeiras 100 milhas e pelo pódio e o UTMB, por ter sido uma prova de sonho. No reverso da medalha, tive o Ehunmilak, em que tanto eu como o meu grande amigo e colega António Silva tivemos problemas e fizemos juntos desde os 70 km. Foram muitas horas de sofrimento intenso, em que só a vontade férrea de chegar à meta nos levou a avançar. Como sempre, no País Basco, o apoio do público e dos voluntários é extraordinário e motiva-nos quando estamos em baixo.

 

Explica-nos essa coisa do bigode antes do UTMB.

Isso foi uma forma de encarar a prova com boa disposição e em modo mais descontraído. Como gosto de fazer umas brincadeiras com a barba, isso funciona como amuleto.

 

Como nasceu o fenómeno das corridas noturnas?

Tudo começou com um treino em Leiria, que divulgámos pelos amigos e conhecidos do NEL e que teve uma boa adesão. Repetimos a experiência em S. Pedro de Moel e também correu muito bem. Já existiam corridas nocturnas semanais em Santarém, levadas a cabo pelos Scalabis Night Runners. Como temos amigos entre eles, alguns de nós foram até lá correr uma noite, o que fez avançar a ideia e aplicá-la em Leiria. Realmente a adesão surpreendeu bastante. No início de Setembro tivemos quase 3000 pessoas nas Brisas do Lis Night Run, o que é um mar de gente. É gratificante assistir a uma multidão que sai do conforto de casa para caminhar e correr e que volta com um sorriso nos lábios.

 

Este desporto tem cada vez mais aderentes. Até onde vai esta atividade chegar?

Em Leiria, a actividade está consolidada e, mesmo com muito frio, há várias centenas de pessoas a participar. Depois foram havendo melhoramentos desde cedo, como o aquecimento e os alongamentos, dados pelos professores de ginástica ao som da música, o que reforça o ambiente de festa. O formato está aprovado mas há que continuar a motivar cada vez mais pessoas para a prática desportiva. Há sempre novas ideias para valorizar o treino. Também é positivo o facto de já haver organizações similares em várias localidades da zona, como a Marinha Grande, Pombal, Nazaré, Caldas da Rainha. E temos feito uns intercâmbios agradáveis com algumas delas, pois todos temos a ganhar com a troca de experiências.

 

Se tivesses que explicar a alguém o que é o trail, como explicarias?

Trail é usufruir da natureza com o maior respeito por ela. É superação e realização pessoal. É respeito e amizade pelos colegas. É pureza e rejuvenescimento. É voltar às origens. É um vício forte e saudável que nos muda a vida.

 

Obrigado!

 

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