The mountain Wolf


Trilho dos Abutres

28-01-2014 10:23

(Fotografia de Bruno Cunha)

 

O primeiro dia deste novo ano marcou o início de um novo ciclo de treinos, e com o objetivo primário a ser o famoso Trilho dos Abutres. Sabia desde logo que os 25 dias que me separavam da prova não seriam suficientes para me encontrar ao melhor nível. Encarei cada treino com toda a seriedade devida e dedicação profunda, porque os meus objectivos são mais longos, e o caminho faz-se caminhando com calma e com os olhos no horizonte.

Neste período de preparação ainda tive a oportunidade de realizar um treino com a minha equipa (EDV-Viana Trail), e que grupo fantástico é. De maneira a confraternizarmos organizamos o dia da seguinte forma, de manha um treino longo pelos sempre únicos trilhos do Gerês, depois um almoço sempre bem-disposto.

O dia chegou…era hora de mais uma vez invadir o Reino dos Abutres.

O Trilho dos Abutres é uma daquelas provas que por muito que a faça dá sempre vontade de voltar a fazer. Os seus trilhos são tão duros como belos, as linhas de água são uma constante e o verde que nos envolve é mágico, em cada recanto parece que há algo de novo para ser admirado. Contemplar este local é diferente de todos os outros. Estas serras são para mim dos locais mais bonitos que temos em Portugal. Ter a oportunidade de poder correr nelas é algo que deveríamos agradecer em cada passada que damos. Em cada nova edição são mais os atletas que tentam marcar presença nesta festa “trailiana”.

Agora falando mais das minhas sensações durante a prova, a falta de quilómetros e desnível nesta fase fez-se sentir. O dia amanheceu bem cedo na bela e pitoresca aldeia de Casal São Simão. Com calma levantei-me e por entre um petiscar do pequeno-almoço, fui colocando as bandas adesivas com minucia para que não me magoassem durante a prova, e me prevenissem de possíveis entorses. Minutos depois já estava a contornar as curvas de alcatrão preto com destino a Miranda do Corvo. Dorsal colocado e seguido de umas trocas de palavras e cumprimentos com os amigos que só se vê nestas romarias era o momento de me chegar à linha de partida.

O coração acelera as pulsações, na espinha percorre um arrepio, as pernas não param, as mãos são esfregadas, a vontade de ouvir o tiro de partida aumenta, os sons dissipam-se, as lembranças dos trilhos e sensações dos anos anteriores percorrem rapidamente as nossas memórias…

Partida… O sangue flui e as pernas soltam-se. A busca da melhor posição, o ajudar dos braços para não tropeçar, e momentos depois parecemos estar a navegar em mar alto, sem ondas, numa paz imensa… Estamos soltos no Reino dos Abutres, a prova começou e os “gladiadores” lutaram entre si até que vença o melhor.

Ao longe já se vê o primeiro abastecimento, sinto-me bem e o corpo vai solto, mas na minha cabeça tenho algo que me preocupa, parti sem água na garrafa e sinto os lábios secos, tenho que beber bem para não pagar mais à frente na prova.

A partir daqui começam os trilhos mais duros e técnicos onde as mãos servem também de propulsores para avançarmos subida acima. Já mais perto do final da subida senti que tinha que abrandar em relação ao grupo, tinha que me hidratar de novo e alimentar. Conseguia mantê-los na linha do olhar o que era bom. É o momento de se iniciar a descida, este ano com uma alteração que achei muito positiva, um troço novo substituiu aquele corta-fogo algo insosso e sem piada. Momentos passados e tenho a companhia de quatro novos companheiros de prova (Luis Mota, Pedro Rodrigues, Rui Seixo e o Veríssimo), tento manter-me junto deles pois não tarda nada estaremos de novo a subir em direcção às eólicas. Volto a parar no abastecimento, mas rapidamente parto para me meter de novo na companhia deles. É mais fácil correr acompanhado.

Momentos depois sinto a falta de mais quilómetros e desnível treinados, as pernas começaram a ficar pesadas, a exigência do percurso com a bastante lama e tecnicidade estavam a fazer mossa. Na subida das quedas de água começo a sentir os adutores a tremer. Com calma ingeri sal, voltei a beber e a comer.

“Pode ser que passe.” – Pensei.

A partir daqui a luta iria ser comigo mesmo, teria que ter a força e a calma para controlar o meu desgaste até ao final. Aquela subida tornou-se assim ainda mais longa, transformei o meu ritmo a duas velocidades ora ia a trote ora a passo, tentava forçar sempre um pouco mais, dava comigo a falar sozinho com o meu subconsciente a motivar-me. As sensações nas pernas era de peso, parecia que estava a ficar cada vez mais pesado, a respiração estava bem só que as pernas custavam sair do chão. Passo a passo fui cumprindo o trilho, aproveitando os abastecimentos para recuperar forças.

A partir de Gondramaz (que bela e simpática aldeia) as sensações melhoraram e até ao final consegui recuperar o ritmo, a fadiga nas pernas era compensada com as vistas que absorviam as forças destes quadros vivos.

Cada vez que volto a estes trilhos saio deles maltratado, sujo, com dores, uma ou outra escoriação, mas no fundo saio com o coração cheio e com a alma mais leve. Como disse no início ainda não tinha os treinos suficientes para correr a um bom nível mas estou a caminhar nesse sentido, saber sofrer como sofri também é treino e ajuda-nos a melhorar. Quero dar os parabéns aos vencedores, que bravos eles foram, e aos vencidos que souberam elevar ainda mais o feito de quem ganhou. À equipa abutrica que mais se pode dizer? São fantásticos, e se as pernas ajudarem para o próximo ano voltarei para mais um duelo no Reino dos Abutres.

Agradeço também à minha família, mas principalmente à Diana mulher que todos os dias está ao meu lado, me cura as feridas e me atura quando as coisas não me correm como eu queria, com uma paciência que só ela tem. À minha equipa EDV-Viana Trail por sermos o grupo que somos, à Viana Cycles, à Evonutrition, ao Café do Rio – Santo Tirso, à Camara Municipal de Santo Tirso, e ao Dr. Eduardo Merino que com as suas terapias manuais me “afina” o corpo.

 

Albino Magalhães

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